Rio Verde tem ‘Clube da Luta’ clandestino

Grupo afirma que atividade serve para ‘extravasar a agressividade’ de maneira sadia


O relógio marcava duas da manhã quando cheguei ao estacionamento de uma loja de departamentos de Rio Verde. Era dia útil, por isso o movimento nos seus arredores era mínimo, quase zero.

A convite de um dos integrantes, e com a anuência dos demais, fui conhecer um dos grupos mais secretos de Rio Verde, o “Clube da Luta RV”. Segundo o membro que me convidou, o número chega a vinte, mas ali, naquele estacionamento vazio, contei apenas oito. A condição para que eu presenciasse o encontro seria que não divulgasse o nome de nenhum dos integrantes ou que fotografasse qualquer uma das lutas.

O “Clube da Luta RV” é quase uma réplica perfeita do grupo formado no filme ‘Clube da Luta’, de 1999, dirigido por David Fincher. No filme, um grupo de homens com subempregos, revoltados com sua situação econômica e revoltados com o presente e futuro se reúne ocasionalmente para trocarem porrada uns com os outros.

Assim como no filme, as regras do Clube da Luta RV são claras: anonimato, anonimato e anonimato. Perguntei então porque teriam convidado um representante de um veículo de imprensa para presenciar o encontro. Um deles, aparentando ter liderança sobre os demais, responde: “Nosso grupo tem diminuído semana a semana. Não queremos acabar. Por isso, precisamos de publicidade, mesmo que velada. Tenho certeza que após a divulgação de nossa existência, mais gente vai aparecer”. Embora não concordasse muito com a sua lógica, não desperdiçaria a chance de vivenciar algo tão recluso.

Antes dos combates, animosidades. Os membros conversam entre si como se estivessem em uma mesa de bar. Há cumprimentos e aparentemente alguns deles já se conheciam antes mesmo do Clube existir. Não há, aparentemente, nenhum especialista em artes marciais ou um fisiculturista entre eles. Eles têm cara de pessoas com empregos absolutamente normais. Embora ninguém tenha me dito a sua profissão, um tinha cara de advogado, outro parecia mais um professor de matemática.

Eles logo se preparam para o primeiro combate. A animosidade se transforma em tensão. Seriam quatro combates no total. Há algumas regras: se um deles cair, o combate está encerrado. Se os espectadores perceberem que um dos lutadores está tendo vantagem muito clara e pode ferir seriamente o oponente, a luta é interrompida.

A primeira luta começa. Do alto de minha ignorância, a luta parece injusta. Um jovem senhor iria enfrentar um rapaz pelo menos quinze anos mais moço que ele. Eles se cumprimentam antes da luta, ao estilo UFC (Ultimate Fight Championship). E logo começam a ‘bailar’, estilo boxeadores, no estacionamento. O lutador mais jovem não dá chance: defende duas tentativas de soco e logo acerta um petardo de direita no rosto de seu combatente. Ele não cai, mas balança. Era a deixa que os outros membros do clube esperavam para encerrar a luta. O lutador mais velho havia se tornado uma presa fácil. Poderia ter se machucado com mais gravidade.

Antes da segunda luta, pergunto ao grupo o motivo de terem criado algo tão radical assim para passarem as suas madrugadas. Entre uma resposta e outra, percebo que a maioria está ali para extravasar a sua agressividade ‘de uma maneira sadia’. E que vários deles buscam um refúgio para suas frustrações de uma maneira ‘menos agressiva’ do que álcool e drogas.

Iria então começar a segunda luta. Desta vez, dois homens aparentando a mesma idade e de composições físicas parecidas. Eles se cumprimentaram, mas de maneira muito menos efusiva do que havia acontecido na luta anterior. Pelo meu olhar, ou os dois já tinham alguma rixa pessoal entre si ou então chegaram ao combate com muito mais frustrações do que conseguiriam suportar. O combate é agressivo, porém desajeitado. Eles tentam chutar e socar um ao outro, mas os poucos golpes que acertam parecem não surtir efeito no adversário. Até que um deles acerta um potente chute de direita, desequilibrando seu oponente. Ele se desequilibra, mas não cai. É a chance perfeita: o que ficou em pé acerta potente cruzado no rosto do adversário, que cai imediatamente no chão. Um enorme galo sobe na sua têmpora esquerda. O combate acaba ali. O vencedor então dá a mão ao derrotado. Ele se levanta. Os dois se abraçam. Se havia alguma rixa pessoa ou frustração, ela, aparentemente, acabou ali. Os dois saem em direção a duas sacolinhas, para beber água e colocar gelo no galo que surgiu na cabeça do derrotado.

Pergunto então se alguém já teria se machucado seriamente em algum desses ‘encontros’. A resposta é que não, ninguém nunca teve nada anão ser escoriações leves. Fico a imaginar se existiria algum médico entre o grupo, para garantir a integridade física dos combatentes. Pergunto se há algum médico. Eles, obviamente, não me responderam.

Antes das duas últimas lutas da noite, sou convidado a me retirar. Meu carro era o único que estava à vista no estacionamento. Não consegui visualizar mais nenhum outro veículo. Peço para assistir ao restante da noite, mas educadamente sou convidado a me retirar. Saio dali com sentimentos dúbios. Apesar do alto índice de testosterona e do cheiro de sangue (uma metáfora, já que não vi escorrer nenhuma gota durante a noite), vi homens que, aparentemente, só queriam exercer a primitividade de sua masculinidade de uma maneira controlada. Peço para ser convidado para o próximo evento, ainda sem data e local. Como jornalista, não querem mais a minha presença. Como lutador, talvez.

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