Pais rompem contratos com escolas em Goiás

Os motivos contemplam crise financeira e insatisfação. Saída apenas na educação infantil já atinge 45%


Com o avanço da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) e a incerteza sobre quando as aulas presenciais vão voltar a ocorrer em Goiás, muitos pais estão rompendo os contratos e retirando os filhos do ambiente escolar. O presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Flávio Roberto de Castro, estima que já houve evasão de 45% dos alunos da educação infantil, que são crianças de 0 a 3 anos, mas que já há pais mesmo de adolescentes retirando os estudantes das escolas ou ao menos não pagando as mensalidades. A inadimplência é estimada por ele entre 30% e 40%. A evasão é maior na educação infantil porque, nesta idade, não há obrigação legal de manter as crianças no ambiente escolar, o que só se inicia a partir dos 4 anos.

A saída dos alunos, por outro lado, preocupa pelo futuro do ensino a essas crianças, já que poderiam ficar sem o aprendizado necessário e até mesmo sem vaga após o retorno das atividades presenciais. Além disso, atinge também as escolas, que acabam sem recursos para manter os funcionários e até as atividades não presenciais aos demais alunos. “Os pais tiram as crianças agora ou deixam de pagar as mensalidades e depois podem muito bem nem ter mais as escolas funcionando depois”, afirma Castro. Ele reforça ainda que 62% das escolas em Goiás são privadas e a rede municipal de Goiânia, por exemplo, já não consegue atender todo o público atual. “Imagina se incrementar com esse restante que evadir da rede privada.”

A alegação dos pais, na maior parte dos casos, diz respeito à crise financeira e à manutenção do pagamento mesmo com o serviço sendo apenas não presencial, por força dos decretos estaduais pela política do isolamento social. A orientação, diz Castro, que também preside o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiás (Sepe-GO) é para as escolas negociarem com os pais, seja um desconto ou um parcelamento das mensalidades.

Carolina Barbosa de Souza afirma que, além do fator financeiro, a metodologia de ensino a distância não atende às crianças da idade da filha Beatriz, de 4 anos. “Acreditamos que, nesta fase, a socialização é o que realmente importa. Além disso, não temos condições financeiras de mantê-la na escola neste momento, pois temos um restaurante e foi extremamente afetado”, afirmou. “A escola sugeriu 30% de desconto, mas solicitamos a suspensão do contrato até o retorno das aulas”, detalhou.

Para evitar que Beatriz passe muito tempo entretida com eletrônicos, como televisão, a mãe conta focar em brincadeiras com os cachorros, além de pinturas, e também com atividades que fazem parte da rotina da casa, como os cuidados com as plantas.

Aos 4 anos, Heitor foi um dos alunos que saiu da escola particular, onde integrava a educação infantil. Segundo a mãe, Rafaela Pinheiro Duarte, a parte financeira foi determinante para a decisão de cancelamento da matrícula, apesar do desconto oferecido nas mensalidades. “Tive de tirar por questão financeira. Mesmo trabalhando, a pandemia acaba impactando na nossa remuneração. Eu pagava período integral e foi dado desconto para a maioria dos pais, o que acho justo. Não me cobraram multa pelo cancelamento”, salientou Rafaela, que pretende retornar Heitor para a mesma escola, após o encerramento da pandemia.

Apesar dos desafios para desenvolver a nova rotina do filho, Rafaela busca alternativas. “Sinto que o cotidiano em casa é bem entediante para ele, que acorda sempre cedo, pois já estava acostumado com a dinâmica escolar.”

A situação não se restringe à Goiânia. Auxiliar de educação Mayara Vieira Nunes Orlandi tirou o filho Enzo, de 3 anos, do Nível A, correspondente ao maternal 1, de uma escola particular em Anápolis. “Nesta idade em que meu filho se encontra, a melhor maneira de aprender é pela interação. Com as videoaulas isso não é possível. Optamos por tirar por este motivo e também por questões financeiras”, explicou. “Era o primeiro ano escolar, ele estava super adaptado e eu percebia como ele estava gostando e se desenvolvendo ao ir para escola. Todos os dias ele pega a mochila e fala ‘escola’. Tento sempre distraí-lo com brincadeiras e atividades propostas por mim, para o fazer aprender coisas novas, mas tem sido exaustivo”, detalhou a mãe.

De acordo com Mayara, não lhe foram oferecidos descontos quanto às mensalidades e a decisão por retirar o filho da unidade de ensino não teve pagamento de multa. Para ela, o retorno à mesma escola não está descartado. 

“Aguardei para ver como a escola iria proceder em relação às mensalidades durante o período de pandemia. Como não recebi nenhum comunicado, entrei em contato. Não tinham manifestado a respeito de desconto. Nos deram algumas opções como jogar as mensalidades mais para frente ou parcelar. Como não era viável para nós, decidimos cancelar a matrícula. Não teve nenhuma multa.

A auxiliar de educação diz ainda que o contrato já tinha a previsão para não cobrar multa pela interrupção.  "Se retornamos não será cobrada taxa de matrícula. Quando voltarem (as aulas presenciais), se eu estiver com o meu coração de mãe tranquilo, irei sim rematriculá-lo na mesma escola, pois estávamos satisfeitos”, salientou.

Unidades insistem em antecipar férias
Muitas escolas privadas de Goiás desejam a antecipação das férias escolares, marcadas para julho, para entre maio e junho, iniciando na próxima segunda-feira (4). A medida já foi até mesmo iniciada por algumas instituições, como os colégios Prepara Enem, WR, e o WRJ, de educação fundamental, que anunciaram nas redes sociais. A decisão contraria a recomendação do Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE-GO), que já notificou as instituições e afirma que, caso seja fato a antecipação, irá averiguar as razões e poderá punir as unidades escolares.</p> <p>Segundo o presidente do CEE-GO, Flávio Roberto de Castro, em última instância, as escolas podem até mesmo perder a autorização para funcionar. Proprietária de uma escola que não quis se identificar, temendo represálias, afirma que a quantidade de unidades desejando a antecipação das férias é bem maior e isso só não ocorreu pelo posicionamento do CEE em punir quem estiver em contrário à resolução. A justificativa de Castro é que a antecipação vai gerar um desacordo no calendário escolar, que deveria ser único.

Como não há uma data efetiva para o retorno das aulas presenciais, a volta em junho poderá ser na mesma situação atual e ainda haveria um calendário sem recesso até o final do ano, o que seria desgastante para alunos e profissionais. Administradores ouvidos pela reportagem alegam ser urgente a antecipação das férias, até para dar tempo de profissionais e pais se prepararem para a situação, o que não foi possível no começo da pandemia. Com isso, também seria evitado um pouco da evasão, pois há pais que alegam não conseguir mais fazer o trabalho home office e auxiliar os filhos.

As escolas que resolveram antecipar as férias e contrariar o CEE-GO têm baseado a decisão em uma orientação técnico-jurídica do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). No entanto, o documento foi feito pela coordenadora da Área de atuação da Infância, Juventude e Educação, Cristiane Marques, para ser distribuído entre promotores, como orientação para possíveis ações nas diversas comarcas do Estado. “Ele não foi expedido pelo interesse das escolas, que devem seguir o calendário aprovado pelos conselhos”, diz a promotora.

O CEE-GO abrange o sistema estadual de ensino, enquanto os conselhos municipais regem a educação básica e fundamental I. Cristiane conta que o MP-GO tem feito a mediação entre escolas e conselhos para chegar a um consenso sobre a antecipação das férias, o que não ocorreu ainda. No documento, fala-se que é possível o pedido de antecipação por parte das unidades, desde que discutido com a comunidade escolar, já que não há previsão do retorno às aulas presenciais, mas este deve ser levado aos conselhos.

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