Ameaçadas, faculdades particulares tentam resistir à crise

Mesmo lidando com perda de alunos e receita, instituições particulares investem nos sistemas virtuais para se manterem no mercado


No Brasil, 88,2% das instituições de educação superior são privadas. É o que diz o Censo da Educação Superior 2018, o mais recente divulgado. O estudo, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, revela que das 2.537 instituições que ofertam cursos superiores no país, 2.238 – entre universidades, centros universitários e faculdades – cobram mensalidades de seus alunos. São mais de 6.300.000 alunos, que correspondem a 75,4% dos estudantes universitários.

E todos esses, sem exceção, viram suas rotinas acadêmicas sofrerem uma reviravolta com a pandemia do Sars-CoV-2, um vírus da família dos coronavírus. Compelidas por decretos, as instituições de ensino suspenderam suas aulas presenciais e levaram seus alunos a adotarem suas próprias casas como salas de aula. Porém, as mudanças não fizeram aflorar apenas medos e transtornos, mas também a perspectiva de uma transformação na educação que pode sobrepujar os efeitos e o tempo da pandemia.

Pegas de surpresa com o decreto estadual baixado em março, as instituições de ensino superior privadas tiveram que recorrer às pressas aos métodos de ensino remoto. Fazendo investimentos ao mesmo tempo em que perdiam receita com o aumento da inadimplência por parte de alunos atingidos pela crise causada pelo coronavírus, gestores de pequenas, médias e grandes instituições passaram a ver com bons olhos o sistema blended learning, ou ensino híbrido, como é mais conhecido, ainda mais numa época em que o uso da tecnologia para a manutenção das aulas se faz indispensável.

Tal modalidade de ensino mescla aulas online e presenciais, intercalando conteúdos que se complementam enquanto são ministrados. A combinação de experiências e tecnologias digitais tem como objetivo promover uma requerida organização do tempo e do espaço da aula, além de redefinir os papéis do professor e do aluno.

Entre prós e contras, o método tem sido discutido por gestores, todavia, como alertou a doutora em Psicologia Escolar Lilian Bacich em um debate sobre o tema, realizado pela plataforma de edução online Geekie, “o ensino híbrido é uma mistura metodológica que impacta a ação do professor em situações de ensino e a ação dos estudantes em situações de aprendizagem”, e a adoção dele em um nível mais profundo “exige que sejam repensadas a organização da sala de aula, a elaboração do plano pedagógico e a gestão do tempo” na instituição.

Tornando-se uma possibilidade plausível para implementação permanente ou não, o ensino através da tecnologia tem se mostrado a maior e única arma das instituições num período em que a simples exposição em um espaço público é configurado como um grave risco.

Investimento
Com 13 anos de existência e pouco mais de 8 mil alunos espalhados em cursos de graduação e pós-graduação, a Faculdade Unida de Campinas (FacUnicamps), localizada em Goiânia, foi uma das instituições que, com a suspensão das aulas presenciais, precisaram correr contra o tempo para adquirir e adequar plataformas virtuais para a manutenção diária das atividades acadêmicas. Segundo o coordenador-geral da faculdade, professor Almério Júnior, as mudanças tiveram que contar com investimentos pesados e num curto espaço de tempo.

O professor relata que a FacUnicamps já utilizava uma plataforma virtual antes da pandemia para a realização de atividades na modalidade online. Contudo, com a migração em massa dos alunos para o meio virtual e a necessidade de aulas somente nessa forma, as iniciativas tiveram que ir além. “Quando a FacUnicamps identificou a obrigatoriedade e a necessidade de mudar o seu sistema de ensino para o ensino remoto, foram necessários no primeiro momento grandes investimentos. Eu posso dizer que foram centenas de milhares. Nós tínhamos uma plataforma para ofertar pequenas disciplinas que a gente sempre ofertou, mas tivemos que adquirir uma plataforma virtual após a pandemia”, disse. Ele revela que a faculdade precisou, em regime de urgência, comprar outro sistema de ambiente virtual de aprendizagem, contratar profissionais para fazer a migração, efetivar a adaptação, treinar os funcionários e fazer o acompanhamento.

Todas mudanças e investimentos da faculdade precisaram acontecer simultaneamente à consequente perda de capital diante da crise da Covid-19, que tem impactado diretamente o bolso dos alunos. De acordo com Almério, a faculdade teve um aumento de 30% no número de alunos inadimplentes, o que, para ele, é um fato atípico. Mesmo neste cenário, o professor garante que nenhum membro do quadro de profissionais da instituição foi demitido ou sofreu alterações em seu contrato de trabalho.

“A situação é de muitos alunos sem condição de pagar. Nós tivemos um aumento de inadimplência superior a trinta por cento, então imagine isso. Não tive nenhuma redução de despesa, não mudei contrato de trabalho, tive que contratar novos profissionais, fazer novos investimentos em ferramentas e estou tendo uma inadimplência muito grande, a qual não estamos acostumados”, completou.

O aumento da taxa de inadimplência pode ser visto como um reflexo direto da vontade de muitos estudantes de continuarem os estudos mesmo diante das adversidades econômicas, uma vez que, conforme Almério, o número de trancamento de matrículas não está sendo expressivo. “O nosso volume de trancamentos está dentro da curva, está menos se comparado com outras instituições. A evasão se mantém na faixa de cinco a seis por cento, pelo que foi levantado até agora”, informou ele.

Ao contrário de algumas outras instituições, a FacUnicamps não concedeu descontos lineares nas mensalidades de seus alunos. Conforme Almério, além de ter um impacto pequeno para o aluno, se isso fosse feito o quadro de profissionais sentiria diretamente os prejuízos. “Vamos supor que eu dê dez por cento de desconto na mensalidade do aluno por causa dessa crise. Vai diminuir cinquenta reais. Se ele está desempregado e não consegue pagar quinhentos reais, então também não conseguirá pagar quatrocentos e cinquenta. E aí sim eu teria que demitir funcionários, porque ia pesar para a faculdade”, disse.

Almério é um entusiasta do sistema híbrido de ensino, o blended learning, o qual ele considera “o que há de mais inovador na educação”, e está otimista com o ritmo das aulas no sistema remoto. “A interação é muito interessante nesse modelo, então ele não fere de forma alguma a qualidade. Eu acredito até, para as pessoas que estão mais adaptadas, existe um ganho”, disse. Todavia, o professor adianta que apesar de os métodos que fazem uso da tecnologia para garantir o aprendizado do aluno serem tidos como uma boa solução, são vistos ainda com uma certa cautela e necessitam de um acompanhamento com afinco.

“A gente vai trabalhar isso gradativamente. Estamos testando todas as tecnologias, a reação do aluno, o resultado em qualidade. Se a gente notar que isso está tendo um efeito não esperado, claro que teremos a humildade de dar um passinho para trás e planejar, se organizar, estudar, para aí melhorar”, arrematou.

“Veio para ficar”, diz reitor da UniRV sobre o ensino híbrido
Para o professor Sebastião Lázaro, ou Tatão, reitor da Universidade de Rio Verde (UniRV), o ensino híbrido será um legado deixado pela pandemia na educação. De acordo com ele, a tecnologia passará a ser uma auxiliar de suma importância nesta época para que o ensino superior não sofra perdas significativas.

Desde que as aulas presenciais foram suspensas, a UniRV adotou três plataformas digitais para cumprir as aulas em via remota. Tatão afirma que mesmo com as resistências iniciais, a adesão ao novo modelo de ensino foi grande entre os alunos da UniRV. “Quando nós estávamos tentando implementar aulas mediadas por tecnologia, as pessoas tiveram uma certa dificuldade com as mudanças. Até quando a gente vai mudar de casa tem uma certa dificuldade. Só que a pandemia nos obrigou a utilizar esses meios, e agora está tendo uma aceitação muito grande entre os alunos. Eu acredito que mesmo com retorno de forma gradual nós vamos ter que usar a mediação da tecnologia ainda”, pontuou.

Porém, conforme o reitor, mesmo com o retorno gradual das aulas presenciais o ensino remoto perdurará de maneira a se adequar às necessidades dos alunos e das circunstâncias e tal fato poderá ser, inclusive, benéfico para alguns perfis de estudantes da universidade. Para ele, o “ensino híbrido veio para ficar”.

“O vírus não vai sumir. Então a gente vai ter que tomar certas atitudes e a tecnologia vai nos auxiliar nisso. Por exemplo, eu recebo alunos de diversas cidades aqui do Entorno de Rio Verde. Esses alunos poderão vir à universidade três vezes na semana, duas vezes terão aula na casa deles, o que pode ser bom pra ele e para o professor. Eu acho que a absorção da tecnologia é muito importante nesse momento”, disse.

Quanto aos reflexos econômicos da crise provocada pelo Sars-CoV-2, Tatão explica como conseguiu driblar a debandada de estudantes. A UniRV, que possui polos em Rio Verde, Aparecida de Goiânia, Caiapônia, Goianésia e Formosa, concedeu um desconto linear de 30% nas mensalidades de todos os seus cursos enquanto durarem as aulas remotas. “Esse foi um fator muito importante nesse momento para podermos ajudar os acadêmicos, porque sabemos dos problemas que isso [a pandemia] ocasionou na economia”, esclareceu o reitor.

Segundo ele, a UniRV também não detectou um aumento exponencial de trancamentos e desistências. Entretanto, a inadimplência cresceu e foi sentida pelas finanças da instituição. “Esse desconto que nós demos não faz frente às despesas que temos na universidade, mas nós temos uma reserva e estamos usando para este momento de pandemia”, disse.

O reitor relata que não foi preciso demitir nenhum funcionário, e que a universidade está funcionando normalmente no período vespertino internamente, para suporte das aulas online. “Tudo de forma sanitária, bastante precavida”, assegura. Conforme Tatão, somente os estágios e aulas laboratoriais estão suspensos. Quanto ao curso de Medicina, ele adianta que todos os internatos serão retomados no dia 1º de junho, e desenha um prognóstico: “Ao que tudo indica, a partir de junho as aulas começam a ser retomada de forma coordenada. É o que a gente espera”, conclui.

Para dirigente da Faculdade de Piracanjuba, instituição não sofreu impactos significativos
À frente da Faculdade de Piracanjuba (FAP), instituição privada que conta com cerca de 1.800 alunos, o professor doutor Milton Justus comemora a celeridade com a qual o sistema de ensino remoto foi implantado. “No dia 16 de março, assim que saiu o decreto estadual, nós já transferimos nossas aulas presenciais para o modelo remoto. Algumas faculdades demoraram quinze dias para estipular como iriam fazer, mas nós adotamos imediatamente”.

Justus que houve uma certa confusão no início das atividades pela via virtual, uma vez que a instituição “não estava preparada para uma mudança tão brusca”, mas garante que na semana seguinte à implantação do ensino remoto as atividades se normalizaram, sendo “totalmente uniformizadas”.

Para o diretor, a FAP não sofreu impactos significativos com a crise provocada pelo coronavírus, tanto na questão acadêmica quanto na financeira. Justus revela que a instituição perdeu cerca de 6% de seus alunos, a maioria oriunda dos primeiros períodos dos cursos, mas destaca que o fato de a faculdade trabalhar com o que ele chama de “mensalidade de viés social” contribuiu para que o número de desistências e de inadimplência fosse pequeno em comparação com outras faculdades.

“Aqui, 90% do nosso alunato é contemplado com algum tipo de auxílio. Ou uma bolsa da prefeitura, ou uma bolsa da OVG, ou Fies, ou Financiamento FAP, ou a bolsa FAP que tem até 50% de desconto. Então, a grande maioria está assistida de alguma forma”, diz.

Quanto à parte do ensino, Justus admite que mesmo com o sistema de ensino remoto funcionando bem “o prejuízo é óbvio para os alunos”. “Não é possível dizer que não houve prejuízos do ponto de vista pedagógico. Os alunos foram literalmente obrigados a mudar para a plataforma virtual, e também houve alteração na metodologia [de ensino]”, diz.

Justus, que também é um defensor do blended learning, acredita ficará um legado após a crise de uma modalidade de ensino que para ele é o ideal no Brasil. “Vai ficar uma sugestão, um alerta muito grande para o MEC que reconheça o ensino híbrido na educação brasileira, que nada mais do que é a gente trabalhar aulas síncronas e assíncronas e aulas presenciais”, finaliza.

Sistema remoto tem dado certo, mas retorno à normalidade é primordial
Em um artigo publicado no jornal O Popular na última semana, o reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Wolmir Amado, destaca o êxito que o sistema remoto de ensino teve até agora tanto nas universidades e faculdades privadas de Goiás quanto na Educação Básica.

Para ele, o Estado tem “fantásticas experiências” desde que o modelo de ensino passou a ser praticado nas instituições, apesar dos problemas elencados por ele como “políticos oportunistas que nunca se importaram com a Educação mas que resolveram aparecer para questionar a qualidade do ensino-aprendizagem” e orientações oficiais que ocorreram de maneira “contraditória e tardia”.

O processo de incorporação da tecnologia de forma mais aprofundada no ensino superior neste período de pandemia também tem sido acompanhado de perto pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação Superior do Estado de Goiás (Semesg). De acordo com o presidente da entidade, Jorge de Jesus Bernardo, da Faculdade Tamandaré (FAT), uma pesquisa de acompanhamento do ensino remoto foi feita recentemente pelo sindicato, o que comprovou a aprovação por parte dos alunos e professores do modelo adotado.

Ele enfatiza que o sistema virtual foi implantado de forma rápida e bem-sucedida, o que deve ser devidamente reconhecido. “Nós conseguimos adotar uma tecnologia de qualidade em uma semana. E ninguém esperava que fosse acontecer isso, ninguém estava preparado pra essa pandemia. O sindicato tem acompanhado passo a passo, nós como representantes do segmento aqui no estado, mas o que se discute agora não é o tipo de tecnologia, estamos discutindo como pensar em voltar às aulas, à normalidade”, finaliza.

Jornal Opção

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